- Corre guria, corre senão eu te mato!
A chuva que desabara há apenas alguns instantes dificultava a fuga de Letícia. Nunca o elogio pernas de estopim, certa vez feito por um admirador secreto, caíra tão bem para ela. Correr. Mais e mais rápido. Não adentrava outro pensamento naquela jovem e já tão desajustada cabecinha, pois o velho do dente de ouro aproximava-se paulatinamente.
As ruas do centro da cidade estavam assustadoramente vazias. O volátil cheiro da chuva amenizava o fétido odor daquela paisagem urbana. O único sinal de humanidade fixava-se nos letreiros luminosos que atraíam criaturas enfadonhas em busca de prazeres sexuais fáceis. O desespero e a degradação pairavam no ar.
A chuva que desabara há apenas alguns instantes dificultava a fuga de Letícia. Nunca o elogio pernas de estopim, certa vez feito por um admirador secreto, caíra tão bem para ela. Correr. Mais e mais rápido. Não adentrava outro pensamento naquela jovem e já tão desajustada cabecinha, pois o velho do dente de ouro aproximava-se paulatinamente.
As ruas do centro da cidade estavam assustadoramente vazias. O volátil cheiro da chuva amenizava o fétido odor daquela paisagem urbana. O único sinal de humanidade fixava-se nos letreiros luminosos que atraíam criaturas enfadonhas em busca de prazeres sexuais fáceis. O desespero e a degradação pairavam no ar.
Exausta, Letícia quebrou à esquerda na Consolação. Suas pernas amoleciam a cada passada e o fôlego há muitas quadras se perdera. Olhou para trás e não viu o velho. Cogitou a possibilidade dele ter desistido da busca, afinal, não era a primeira vez que a ameaçava de morte. Sentou no meio-fio, um pouco desconfiada, e tirou do bolso a bucha roubada. Em rápidos e rotineiros movimentos cheirou toda a cocaína do plástico e foi enquanto o lambia, quase saciada, que sentiu uma respiração na sua nuca. Naquela fração de segundos passaram muitas imagens pela cabeça de Letícia. O velho lhe cortando a garganta com um canivete vagabundo, a cara nojenta de um tarado querendo a possuir ali mesmo, a expressão habitual, mas nem por isso menos desoladora, de algum viciado à procura do vale encantado.
- O teu tênis tá desamarrado.
- Ah?
- O cadarço do teu tênis tá desamarrado. Acho melhor amarrar, senão tu pode cair.
- Tá. Valeu.
Letícia respirou aliviada. Tratava-se apenas do moleque maluco da avenida Realeza preocupado com o cadarço alheio. Amarrou o tênis e fez menção de levantar-se.
- Pode ficar aí, ele já foi.
- Ele quem?
- Ora quem, o velho de quem tu tava fugindo!
- Como é que tu sabe?
- Ele se cansou de correr e entrou no puteiro da outra esquina. Agora ele deve tá enchendo o cu de cachaça ou comendo alguma puta. Pode ficar tranqüila.
- Como é que tu sabe que eu tava fugindo de alguém? Tu tá me seguindo?
- Eu sei de muita coisa, guria.
E sabia mesmo. Naquela mesma noite, um pouco antes da fuga e da chuva, o moleque vadiava pela avenida Realeza. Os edifícios comerciais, em grande número por ali, encerravam seus expedientes e deles brotavam estampadas faces aliviadas e cansadas de sextas-feiras comuns. Automóveis populares infestavam o asfalto e eis que surge a imagem dela. Os cabelos vermelhos contrastavam com a pele branca e oleosa. As olheiras profundas lutavam contra a beleza dos olhos azuis acinzentados. A camiseta rasgada combinava perfeitamente com a saia jeans e com o coturno preto. Ali, exatamente ás 18:37 de uma sexta-feira comum, ele a amou profundamente.
Ela esperava, visivelmente nervosa, o filho-da-puta que lhe devia vinte mangos. A grana seria suficiente para comprar uma bucha. Caminhava de um lado para o outro roendo as unhas com fervor. A avenida estava cada vez mais movimentada. Os transeuntes se chocavam em sopapos despropositados, o que a deixava ainda mais embravecida.
- Acho que ele não vem.
- O que?
- Quem tu tá esperando não vem.
- Tu é amigo do Caveira?
- Não, nem conheço ele, mas acho que ele não vem.
- Vai te fuder!
- Uma gata como tu não devia ficar falando palavrão.
- Eu falo como eu quiser, e tu não tem nada com isso.
- Tenho sim.
- Ah é? Por quê?
- Porque eu te amo.
Letícia ficou imóvel por alguns segundos. Nunca alguém havia dito que a amara, muito menos um desconhecido. E nunca ela sentira aquele misto de pavor e felicidade transbordante. O breve instante dos olhos nos olhos foi suficiente para enlaçar os dois corações. Mas como Letícia era uma teimosa garota viciada de apenas 15 anos, respondeu com ar superior:
- Já que tu me ama, me empresta 20 pila então. Tô precisando.
- Não tenho gata, mas te deixo o meu coração.
- Dele eu não preciso.
Dito isso ela sumiu na multidão e deixou ele ali, apaixonado e convencido do novo amor que surgira. Ele já sabia o suficiente, e hoje ela saberia também.
- O teu tênis tá desamarrado.
- Ah?
- O cadarço do teu tênis tá desamarrado. Acho melhor amarrar, senão tu pode cair.
- Tá. Valeu.
Letícia respirou aliviada. Tratava-se apenas do moleque maluco da avenida Realeza preocupado com o cadarço alheio. Amarrou o tênis e fez menção de levantar-se.
- Pode ficar aí, ele já foi.
- Ele quem?
- Ora quem, o velho de quem tu tava fugindo!
- Como é que tu sabe?
- Ele se cansou de correr e entrou no puteiro da outra esquina. Agora ele deve tá enchendo o cu de cachaça ou comendo alguma puta. Pode ficar tranqüila.
- Como é que tu sabe que eu tava fugindo de alguém? Tu tá me seguindo?
- Eu sei de muita coisa, guria.
E sabia mesmo. Naquela mesma noite, um pouco antes da fuga e da chuva, o moleque vadiava pela avenida Realeza. Os edifícios comerciais, em grande número por ali, encerravam seus expedientes e deles brotavam estampadas faces aliviadas e cansadas de sextas-feiras comuns. Automóveis populares infestavam o asfalto e eis que surge a imagem dela. Os cabelos vermelhos contrastavam com a pele branca e oleosa. As olheiras profundas lutavam contra a beleza dos olhos azuis acinzentados. A camiseta rasgada combinava perfeitamente com a saia jeans e com o coturno preto. Ali, exatamente ás 18:37 de uma sexta-feira comum, ele a amou profundamente.
Ela esperava, visivelmente nervosa, o filho-da-puta que lhe devia vinte mangos. A grana seria suficiente para comprar uma bucha. Caminhava de um lado para o outro roendo as unhas com fervor. A avenida estava cada vez mais movimentada. Os transeuntes se chocavam em sopapos despropositados, o que a deixava ainda mais embravecida.
- Acho que ele não vem.
- O que?
- Quem tu tá esperando não vem.
- Tu é amigo do Caveira?
- Não, nem conheço ele, mas acho que ele não vem.
- Vai te fuder!
- Uma gata como tu não devia ficar falando palavrão.
- Eu falo como eu quiser, e tu não tem nada com isso.
- Tenho sim.
- Ah é? Por quê?
- Porque eu te amo.
Letícia ficou imóvel por alguns segundos. Nunca alguém havia dito que a amara, muito menos um desconhecido. E nunca ela sentira aquele misto de pavor e felicidade transbordante. O breve instante dos olhos nos olhos foi suficiente para enlaçar os dois corações. Mas como Letícia era uma teimosa garota viciada de apenas 15 anos, respondeu com ar superior:
- Já que tu me ama, me empresta 20 pila então. Tô precisando.
- Não tenho gata, mas te deixo o meu coração.
- Dele eu não preciso.
Dito isso ela sumiu na multidão e deixou ele ali, apaixonado e convencido do novo amor que surgira. Ele já sabia o suficiente, e hoje ela saberia também.
Um comentário:
li e curti. vim matar saudade por aqui e me deparei com uma ju outra que desconhecia. diver, não? bju.
Postar um comentário