segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Um delírio e muitos tempos

No exato momento em que a vê ali, imóvel, estatelada naquele chão frio e sólido, Raul é tragado por um redemoinho de emoções vividas. Sente como se o presente nada mais fosse que um tempo intermediário entre o que foi e o que será. Ou melhor, entre o que foi e o que seria, já que o futuro é o menos existente dos tempos.
Agora Raul estava na porta de sua primeira casa. Segurava uma maça babada na mão direita. Seus olhos eram limpos e novos. Não se apegavam às coisas com a convicção de hoje. Apenas experenciavam. Sem julgamentos ou pressupostos. Sem peso. A mãe vinha em sua direção. Sua expressão denotava alegria, mas também angústia. Ela segura Raul colo e o leva para o quintal.
Quando chega ao quintal, Raul está mais velho. Finge que brinca no balanço para não chamar a atenção dos pais. Nesta época Raul já tem problemas, não se identifica mais com o estado de infância anterior. Está bravo. Não quer ir à escola. Não gosta dos supostos amigos. Não gosta da vida que escolheram pra ele. A única coisa que agrada Raul nesses momentos é olhar para cima e imaginar uma vida para além do céu. Uma vida de descobertas infindáveis. Gosta de imaginar-se num laboratório de uma grande empresa. Envolvido por tubos de ensaio, fumaças coloridas, telescópios de última geração e protótipos de naves espaciais, ele sonha que será um grande cientista.
Ela continua ali. Imóvel. A diferença é que agora o sangue envolve toda a sua cabeça. Raul sabe o que fazer. Sabe também o que não fazer, mas sente uma vontade incontrolável de fazê-lo. Então, se joga para ela. Vive o presente povoado pelo passado e por previsões irrealizáveis. Reconforta sua alma ao unir-se àquela alma.