domingo, 25 de dezembro de 2011

Coisas que tenho para te dizer

I

Eu queria te dizer que o céu não tem mais cor no verão
E que os peixes morrem pelo excesso de ar
E que os desenhos fantásticos do quarto ao lado me fascinam
E o couro dos cabelos vizinhos voam copiosamente

Eu queria te dizer que a pasta de dente ameniza o gosto das secreções da noite
E que os cachorros latem sozinhos
E as pulgas me perseguem
E os mosquitos me perseguem
E os meus dedos estão magros
E eu não tenho mais forças pra te seguir

Eu queria te dizer que eu tenho uma porção de coisas importantes para te dizer
E queria que tu parasse no tempo só para me escutar
E queria ter chorado no velório do meu amigo
E queria o teu peito pra me velar
E os teus pés pra me cobrir

Eu queria te dizer que sou pedra-pluma incansável
Feita de matéria solvente e amorfa
Cheia de flores e frestas
Condensada em pudins colorados

Eu queria te dizer que nunca poderei dizer o que realmente importa
Mas que isso não tem tanta importância
Pois o verde que sai de ti me veste
E o laranja da janela chama
E eu preciso de muito tempo pra surgir

Eu queria te dizer que eu tenho uma densa bola de sangue entre o esôfago e a garganta
E que os meus dias estão escassos
E a minha pele está marcada
E eu não tenho pernas pra ti pedir

Eu queria te dizer que a palavra virou parede
E o assoalho não mais palpita
E eu tenho muita pressa pra partir

Eu queria te dizer que parti só e em pedaços
E que o meu retorno foi penoso
E minha estadia foi penosa
Mas que voltei só por ti

Eu queria te dizer que o meu desejo paira solto
E que as bolhas de sabão me trazem uma alegria fácil

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Exercício Wiszawa Szymborska

Prefiro Aranhas a cobras
Prefiro Bondade à compostura
Prefiro Cortes de cabelos curtos
Prefiro Doces de figo a doces de abóbora
Prefiro Entrar no mar à noite
Prefiro Folhas de almaço
Prefiro Gordas Patas Felinas
que sempre roufenham quando mais preciso
Prefiro Hélices cortantes e rosadas
Prefíro Índices no início a índices póstumos
Prefiro Japonas coloridas
Prefiro Louças pintadas à mão
Prefiro Montanhas cheias de verde
a montanhas cheias de gente
Prefiro Narizes grandes e pontudos
Prefiro Ostras no fundo mar
Prefiro Pontas de canetas deslizantes
Prefiro Quiabo só porque ninguém prefere
Prefiro Rasantes na terra molhada 
a vôos lentos e perdidos
Prefiro Soro caseiro
a remédios com gigantescas e incompreensíveis bulas
Prefiro Tesouras muito afiadas
Prefiro Uvas dedo-de-dama recém saídas da sacola do supermercado
Prefiro Xuxas e Angélicas longe da minha tela
Prefiro Zanzar sozinha pelos meus pensamentos
à exprimir-te toda a minha loucura.