quarta-feira, 23 de julho de 2008

O amor e a subjetividade nas relações amorosas


Em uma entrevista concedida à televisão recentemente, o escritor José Saramago declarou não se sentir obrigado a amar. Respeitar sim, mas amar não. O amor não é um dever e sim um querer. Saramago substituiria o mandamento devemos amar o próximo como a nós mesmos por devemos respeitar o próximo como a nós mesmos.

A moral cristã é repleta de ensinamentos divinos que nos impõem muitos deveres e poucos direitos, chegando ao ponto de nos coagir a amar o próximo. Mas por que devo eu amar alguém? Como posso amar um sujeito que não me desperta amor? De que forma monitorar um sentimento tão sublime e transcendental como o amor? E mesmo se eu pudesse controlá-lo, permaneceria ele íntegro em suas propriedades emocionais? Continuaria sendo ele o amor?

As leis de direitos humanos, responsáveis pelo bem-estar social, seguem a mesma linha da moral cristã. O bom cidadão é aquele que cumpre os seus deveres e exerce os seus direitos, direitos que também se configuram enquanto deveres, na medida em que é meu dever reclamar para o PROCON quando julgo que um determinado produto não atende as expectativas criadas pelo rótulo ou pela propaganda. Da mesma forma como é meu dever denunciar um furto ou qualquer outro crime cometido contra mim ou contra outra pessoa.

Não amar o próximo não é um crime, mas de acordo com a lógica vigente – ancorada em princípios religiosos e políticos – é no mínimo uma ofensa. E se nos coagem a amar, torna-se legítimo tentar compreender o que é o amor.

Um romântico diria que é o maior e mais completo de todos os sentimentos. Aquele que move e comove todos os seres humanos. O eterno responsável pelas grandes alegrias e tristezas dessa vida. Enfim, o sentido de toda a vida.

Um biólogo daria explicações físicas do que ocorre com o nosso corpo e com a nossa mente quando amamos – visto que a medicina ocidental ainda trabalha com as oposições binárias corpo x mente e natural x social. O biólogo faria esquemas e diagramas explicando o amor e o diferenciando de outros sentimentos, como o desejo e a paixão.

Um psicólogo não seria tão idealista quanto o romântico, nem tão preciso quanto o biólogo, ao criar teorias psicanalíticas sobre o amor, baseadas em investigações genealógicas que provavelmente desembocariam em conclusões freudianas.

E o que diria um antropólogo sobre o amor? Certo está que não cabe ao antropólogo encontrar respostas para os dilemas da humanidade. Muito menos a partir de teorias explicativistas baseadas em pressupostos funcionalistas. À antropologia caberia melhor analisar as relações sociais de amor jogando luz sobre a realidade, seguindo a perspectiva hermenêutica – interpretativista – de Clifford Geertz. Esse autor percebeu que podemos interpretar o social tentando compreender sem explicar. Jogar luz sobre a realidade é desvelar algo que já está ali. Não se trata de desmascarar a aparência para chegar a uma suposta essência, mas sim de desacortinar, descobrir a partir da investigação. Essa é a tarefa primordial da antropologia. Mostrar o que está ali, mas que a maioria das pessoas não vê, ou por ignorância (na melhor acepção da palavra) ou por descaso, ou por descrédito, ou por preguiça. E como o objeto de estudo do antropólogo é o indivíduo em sociedade, com toda a sua subjetividade, emocional e racional, parece fazer sentido que o amor seja um tema passível de pesquisa nas ciências sociais.

Voltando à obrigatoriedade de amar de que nos fala Saramago, torna-se fundamental dizer aqui o principal motivo que me leva a pensar na impossibilidade de amar a todos: amar é uma tarefa muito difícil, que envolve escolhas, privações, sacrifícios, paciência, compreensão, dedicação, maturidade e um pouco de sorte. Além de tudo isso, existe uma atmosfera misteriosa que paira sobre o amor. Há algo de mágico nesse sentimento. Ou melhor, algo mágico parece acontecer na vida das pessoas acometidas pelo amor. E isso continua inexplicável, embora seja passível de compreensão.

Um comentário:

Douglas Dickel disse...

Algumas considerações, meu amor (hehe). Eu acho que o Saramago levou muito ao pé da letra o "amar ao próximo...", muito ao pé da letra o singificado de amor que está naquela frase do Jesus. Talvez ele tenha se referido ao amor-respeito, mesmo. Mas digamos que seja isso, que o Jesus e que a Sociedade exijam o dever de amar. O que poderia ser diferente? "Ame algumas pessoas"? "Não ame aqueles que não valem a pena"? "De vez em quando, deixe de cumprir seus deveres"? Representar contra abuso de autoridade (LC 10.098/94, haha) deve ser um dever mesmo, porque não vai ser o próprio desrespeitante que vai denunciar a si próprio, e o Estado não tem a onipresença para vigiar tudo. E não se quer as coisas negativas, existe essa utopia - que nunca vai ser alcançada, utopia - que empurra as coisas pra um lado melhor, ou que tenta empurrar, ou que pelo menos serve de distração para o ser o humano, pois, segundo Schopenhauer (e eu concordo com ele), o tédio é pior do que a tristeza. O biólogo explica mais, eu acho, o desejo e a paixão do que o amor, porque o amor é o que resiste depois que a química da paixão se desfaz. E quem estabeleceria diferenças entre os três mais apropriadamente seriam os psicólogos, que SÓ desembocariam em Freud se fossem freudianos. E mágica sobra aos poetas, aos religiosos e à mitologia. Sobre jogar luz, acho que é o que todos os pensantes tentam fazer, seja qual for a linha, da mais racional à mais fantasiosa. Era isso, meu amor. Gostei de comentar assim, aqui. Vida longa à pinta.