domingo, 30 de outubro de 2011

Eu, o outro e tudo que há pelo caminho

Começo este ensaio refletindo sobre o quanto de nós mesmos é jogado em cena quando assistimos um espetáculo. O quanto de nós age no outro e volta pra gente de uma maneira ímpar, particular. Na verdade, essa máxima funciona para todas as formas de arte e vida às quais entramos em contato, pois cada um de nós tem uma maneira específica de se relacionar com a realidade que vê e cria. Uma experiência nunca é igual à outra. Um ser nunca é igual ao outro, ainda que o outro seja muito parecido tantas vezes.
Assim que escutei as primeiras explicações-complicações de Joker, lembro de ter vagado fluidamente por minhas descobertas recentes sobre mim. Estive longe de casa por um tempo e encontrei nessa experiência uma grande oportunidade de me conhecer melhor. Precisei estar tão longe para chegar tão perto, assim como Joker precisou de tantas máscaras para chegar nas profundezas de si mesmo.
Ao deparar-me com a exposição escancarada do ser que se retrava e se recriava na minha frente, acessei meus estudos sobre liberdade feminina que, no meu caso, coincidiu com o meu centramento-poético-antropológico-interior. A liberdade e coragem de Joker se encontrava em algum ponto com a minha busca por liberdade e meu desejo de encontrá-la em outros corpos e paisagens. A cara-de-pau de Joker era vida pura e incessante. Deslizava por vezes poética, por vezes forçosamente literal. Por vezes pedra, por vezes pluma.
A obra de Alessandro Rivelino me causou prazer e desconforto constantes, não só durante as duas horas de espetáculo, mas também nas horas que se seguiram. Pedro, Rodrigo e eu saimos comentando o espetáculo e nossos pensamentos sobre ele nos levaram a ondas de pensamento cada vez mais complexas e profundas, ou talvez cada vez mais simples em suas essências, mas complexas pelo excesso ou falta de alteridade. Dizer que seres humanos são complexos é o mesmo que dizer que seres humanos são simples, pois somos tudo isso, o que varia é o ponto de onde se olha, e também porque se olha.
Em alguns momentos temi que a dose de inovação e improviso de Joker fosse cair em uma banalidade de forma, resumindo-se em um querer romper com a estrutura que se espera de um espetáculo. Mas Alessandro foi muito feliz no seu mesclar de ficção e realidade, ultrapassando um simples romper de forma e criando algo novo, único e singular. Algo que retrata sua própria singularidade e com isso nos faz mergulhar na nossa. Algo livre e honesto. Algo bonito.
Porto Alegre precisa mais de projetos como Joker. O mundo precisa mais de meios que nos ofereçam a possibilidade de um encontrar-se a si mesmo, e não de um simples identificar-se com o já visto, o já sentido, o já pensado, o já falado. A alteridade, como a capacidade de ser o outro, é fundamental para o nosso viver em relação, mas a interioridade, como a capacidade de olhar para si e ver-se, é fundamental para o nosso desenvolvimento pessoal e contentamento interior. Não sei exatamente o que é a felicidade, mas acredito que ela esteja muito próxima do que pra mim significa a liberdade: um viver seguindo os próprios desejos e paixões, sempre tendo a si mesmo como parâmetro e não o outro. Viver partindo de si e se expondo muitas vezes, se assim for necessário, pois afinal “se você quer mudar o mundo, mexa primeiro no seu interior”[1].


[1] Frase de Dalai Lama


sábado, 22 de outubro de 2011

Tanto mar sobrevém mas me dói aceitá-lo
Inverti um porém
Me perdi
Em pedaços

Calor mel sempre vem
Quando o pó ultrapasso
E o céu
corre bem devagar
Ou descalço

Que pensar quero ter em teu nó
Desgarrado
Frenesi de viver
Trago vil
Ou rechaço

domingo, 9 de outubro de 2011

Fusão revisitada

Torcida pelo redemoinho das pernas dele, ela via o fundo
Vermelho e branco
Novo
Corrente de mares imperfeitos
Vastos corredores
Lua escondida pelas frestas do presente
Amálgama

Tenho-te aqui
Entre meus fios e fins
Dentro do que não conheço em mim