Vinte anos depois, o mistério permanecia. Gláucio não conseguia entender. Por que alguém cometeria um ato de tamanha insanidade logo após realizar um feito memorável? O pai sempre fora um aficcionado por jogos. Particularmente por jogos de roleta. Nunca ganhara um centavo. Ao contrário, perdera quase tudo. Não fosse a mãe impedi-lo, ameaçando divorciar-se dele, teria vendido a casa e apostado o montante, de uma só vez, no número 11. Honório passara trinta anos apostando nesse número. Nas noites de sexta-feira, era um dos últimos a deixar o cassino. Não podia acreditar que mais uma vez a bolinha negara-se a pousar sobre o seu fiel número. Mas Honório não esmorecia. Seguia crédulo e paciente.
Na época, Gláucio tinha apenas 5 anos, mas lembrava-se com perfeição daquela noite. Em frente à penteadeira, o pai preparava-se para sair. Acertava o nó da gravata, ao mesmo tempo em que fazia um movimento com a cabeça em direção ao pescoço, que demonstrava confiança. Normalmente, quando percebia a presença de Gláucio, dizia “Venha ajudar o papai, Lalau”. Então ele corria em direção ao pai e fechava as abotoaduras de sua camisa. Este sorria, segurava o filho nos braços, olhava fundo nos seus olhos e lhe dava um úmido e demorado beijo na testa. Porém, naquela noite, não havia sido assim. Honório não percebera a presença do filho na porta do quarto. Estava profundamente compenetrado. Tinha os olhos fixos no espelho e havia algo em seu semblante que assustava Gláucio. O pai saiu sem se despedir. Da janela, Gláucio acompanhou os passos firmes do pai até sua figura sumir no horizonte.
Além do fato do pai ter se suicidado depois de ganhar 1 milhão na roleta, o que mais intrigava Gláucio era que o número vitorioso não tinha sido o 11, e sim o 27. Não fazia sentido. Honório era um homem supersticioso. Costumava dizer que se algum dia viesse a desistir do número 11, desistiria do jogo. Ele também tinha por hábito não comer carne e vestir apenas preto-e-branco nas sextas-feiras. Dizia que esses rituais conferiam-lhe leveza e sobriedade, requisitos indispensáveis ao bom jogador, segundo o próprio.
Gláucio sabia que a chave para compreender o suicídio do pai estava em descobrir por que ele resolvera apostar no número 27 e por que não notara sua presença na porta do quarto. Foi então que lembrou de um detalhe apontado por um amigo de Honório. Embora, naquela noite, o pai tenha saído sozinho de casa, chegara no cassino acompanhado de um sujeito desconhecido por todos os presentes. De acordo com esse amigo, o sujeito era alto, claro e vestia um traje pouco usual de cor ocre. Quando soube dessa informação, Gláucio não deu muita importância, mas agora tudo parecia mais claro. A presença do tal sujeito poderia ser a peça que estava faltando para desvendar o mistério.
Resolveu ir até o porão da velha casa em que morava em busca de uma pista. A maioria dos pertences do pai estavam lá, cuidadosamente guardados em caixas de papelão. A mãe colocara etiquetas nas laterais das caixas indicando seus respectivos conteúdos. Em uma delas havia a inscrição “Família”. Nela repousavam objetos e fotografias antigas. Um castiçal. Um véu negro. Cartas de amor escritas pelo seu bisavô. Férias em Parador. Seu aniversário de 4 anos. Seu aniversário de 5 anos. Opa. Gláucio não podia crer no que via. Separou todas as fotografias em que o pai aparecia naquele ano e confirmou a suspeita. Misteriosamente, o sujeito desconhecido estava em todas elas. Alto, claro e vestido de ocre. Não restavam mais dúvidas. O preto-e-branco dera lugar ao ocre.
Na época, Gláucio tinha apenas 5 anos, mas lembrava-se com perfeição daquela noite. Em frente à penteadeira, o pai preparava-se para sair. Acertava o nó da gravata, ao mesmo tempo em que fazia um movimento com a cabeça em direção ao pescoço, que demonstrava confiança. Normalmente, quando percebia a presença de Gláucio, dizia “Venha ajudar o papai, Lalau”. Então ele corria em direção ao pai e fechava as abotoaduras de sua camisa. Este sorria, segurava o filho nos braços, olhava fundo nos seus olhos e lhe dava um úmido e demorado beijo na testa. Porém, naquela noite, não havia sido assim. Honório não percebera a presença do filho na porta do quarto. Estava profundamente compenetrado. Tinha os olhos fixos no espelho e havia algo em seu semblante que assustava Gláucio. O pai saiu sem se despedir. Da janela, Gláucio acompanhou os passos firmes do pai até sua figura sumir no horizonte.
Além do fato do pai ter se suicidado depois de ganhar 1 milhão na roleta, o que mais intrigava Gláucio era que o número vitorioso não tinha sido o 11, e sim o 27. Não fazia sentido. Honório era um homem supersticioso. Costumava dizer que se algum dia viesse a desistir do número 11, desistiria do jogo. Ele também tinha por hábito não comer carne e vestir apenas preto-e-branco nas sextas-feiras. Dizia que esses rituais conferiam-lhe leveza e sobriedade, requisitos indispensáveis ao bom jogador, segundo o próprio.
Gláucio sabia que a chave para compreender o suicídio do pai estava em descobrir por que ele resolvera apostar no número 27 e por que não notara sua presença na porta do quarto. Foi então que lembrou de um detalhe apontado por um amigo de Honório. Embora, naquela noite, o pai tenha saído sozinho de casa, chegara no cassino acompanhado de um sujeito desconhecido por todos os presentes. De acordo com esse amigo, o sujeito era alto, claro e vestia um traje pouco usual de cor ocre. Quando soube dessa informação, Gláucio não deu muita importância, mas agora tudo parecia mais claro. A presença do tal sujeito poderia ser a peça que estava faltando para desvendar o mistério.
Resolveu ir até o porão da velha casa em que morava em busca de uma pista. A maioria dos pertences do pai estavam lá, cuidadosamente guardados em caixas de papelão. A mãe colocara etiquetas nas laterais das caixas indicando seus respectivos conteúdos. Em uma delas havia a inscrição “Família”. Nela repousavam objetos e fotografias antigas. Um castiçal. Um véu negro. Cartas de amor escritas pelo seu bisavô. Férias em Parador. Seu aniversário de 4 anos. Seu aniversário de 5 anos. Opa. Gláucio não podia crer no que via. Separou todas as fotografias em que o pai aparecia naquele ano e confirmou a suspeita. Misteriosamente, o sujeito desconhecido estava em todas elas. Alto, claro e vestido de ocre. Não restavam mais dúvidas. O preto-e-branco dera lugar ao ocre.